Entrevista com Mauricio Guerta, o programador que foi o coração da TecToy!

Quem teve um Master System ou um Mega Drive nos anos 90, provavelmente se divertiu e se surpreendeu com os trabalhos incríveis feitos pela TecToy. Seja esse trabalho um game traduzido, um game alterado para o mercado nacional ou ate mesmo games feitos totalmente do zero.

O pioneirismo que a TecToy teve há 20 anos atrás, é praticamente o que vemos acontecer hoje com empresas como Microsoft e Sony localizando seus jogos para o Português e com estúdios indies produzindo games nacionais. Com toda a tecnologia e ferramenta que temos hoje, essas coisas já são consideradas um trabalho árduo. Então como era na época de ouro da TecToy?

É para saber isso que tivemos a honra de entrevistar o Mauricio Guerta, ex-programador da TecToy e praticamente o coração de todos os projetos criados pela empresa.

Vamos a entrevista!

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Stefano Arnhold e Mauricio Guerta na Comic Con 2016 

Titan Game Studios: Primeiramente é uma honra fazer essa entrevista com você, a TecToy fez parte da nossa infância e conversar com alguém que estava por trás das coisas mágicas que essa empresa fazia me deixa até sem palavras.

Poderia fazer um resumo sobre você?

Mauricio: Difícil me resumir mas vou tentar. Sou matemático formado a quase 30 anos atrás e sou um desenvolvedor de software atuando primordialmente na área de inovação, software básico e sistemas embarcados. Comecei a carreira realizando engenharia reversa na época de proteção do mercado de software nos anos 80 o que me fez entrar na área de games trocando personagens dos jogos.

Titan Game Studios: Nos conte um pouco sobre sua história na TecToy, como você entrou lá? O que você fazia?

Mauricio: Como disse entrei na área de jogos porque trabalhava “hackeando” software e fazendo engenharia reversa nos anos 80. Esta prática era comum no mercado porque existia uma lei de proteção de mercado que no final era distorcido. Mas sempre gostei muito de gráficos e já desenvolvia na época do computadores TRS80 jogos. Meu primeiro jogo fiz em um CP 500 em basic. Na Tectoy fui evoluindo e consegui aprovação para desenvolver jogos e realizar ports de jogos mais famosos.

Titan Game Studios: Assim que a TecToy começou a produzir o Mega Drive no Brasil, veio a Dynacom com o clone Mega Vision, como a TecToy recebeu isso?

Mauricio: Agiu judicialmente. Participei da perícia técnica onde consegui provar que o produto era um clone. As mensagens da sega não foram removidas do chip da Dynicom o que era prova suficiente para demonstrar que era um clone adulterado. Todos os direitos foram pagos após o processo

Titan Game Studios: Você desenvolveu o software para traduzir o Phantasy Star e também para modificar os sprites do game Wonder Boy certo? Como foi desenvolver tudo isso? Você teve alguma ajuda da Sega ou teve que desenvolver tudo do zero?

Mauricio: Sim. Não tivemos ajuda em nenhum projeto . Tudo desenvolvido do zero. Fiz varias ferramentas de software que ainda são usadas. Esta foi minha primeira contribuição criando um processo de troca de personagens o que permitiu aumentar a linha de produção e liberar tempo para o desenvolvimento.

Titan Game Studios: O game Férias Frustradas do Pica-Pau provavelmente foi o primeiro game Brasileiro a ser desenvolvido para um console. Qual foi a dificuldade de desenvolver esse game? Foi muito difícil desenvolver o game do zero?

Mauricio: Sim bem difícil. Principalmente criar ferramentas para converter as artes digitalmente. Não era muito comum na época trabalhar com ferramentas de desenho digitais. A elaboração do cenário é do roteiro também foi muito complicado e houve a necessidade de criar muitas ferramentas e editores de fase e personagem para agilizar o trabalho. Construí um simulador que rodava em um pc para acelerar o desenvolvimento e dar o Feedback rápido para o designer. Demorei muito mais tempo criando toda esta infra-estrutura do que programando a engine.

Titan Game Studios: Como era o processo de portar os games de Game Gear para Master System? a Sega enviava o código fonte dos games e você fazia o porte? Quem decidia quais games seriam portados?

Mauricio: Nenhum código fonte foi envidado. Também criei uma ferramenta de conversão rápida, mas ajustes manuais tinham que ser feito para cada jogo através de engenharia reversa. Cada caso era único e diferente. Quem decidia era a equipe de marketing.

Titan Game Studios: Dois games me impressionam até hoje, Street Fighter 2 para o Master System e Duke Nuken 3D para o Mega Drive, qual dos dois foi mais difícil? Quais ferramentas você usou para desenvolver esses games? Quanto tempo para desenvolver cada um?

Mauricio: Street fighter foi o primeiro, feito totalmente em assembler. Criei varias ferramentas para extrair as artes e convertê-las. A engine foi totalmente refeita. Este trabalho foi tão bem recebido pela Sega que recebemos a visita dos desenvolvedores da Capcom do Japão e fomos incluídos na Capcom team com mérito. Este sucesso abriu as portas para o projeto do Duke Nuken que foi um projeto muito mais difícil. No início muitos tinham dúvidas de que era possível de ser feito, e a maior parte do tempo foi gasto criando a engine principal. Foram feitos muitos testes até encontrar e lapidar o core do software com rotinas super otimizadas em assembler e usando duas técnicas. BSP (binary Space partition) e utilizando uma técnica de cores comum em tvs de tubo o que permitia aumentar as cores para 256 e deixar o jogo com baixa resolução. Um designer dedicado em fazer as fases muito competente. Fez tudo no papel porque não houve tempo para fazer ferramentas. Foi tudo feito no papel e transcrito manualmente para o jogo.

Titan Game Studios: A TecToy recebeu algum kit para desenvolver games para o Saturn e Dreamcast? Vocês começaram a desenvolver algo para essas plataformas? Se sim pode nos contar quais projetos?

Mauricio: Sim para o Dreamcast . Um SDK da Microsoft que usava visual Studio 6.0 e DirectX. Comecei a desenvolver um projeto mas a empresa entrou em concordata logo depois.

Titan Game Studios: E o que você acha dessas plataformas? (Saturn/Dreamcast)

Mauricio: Dreamcast é a melhor na minha opinião sem dúvida até hoje.

Titan Game Studios: Como a TecToy recebeu a notícia de que a Sega não produziria mais hardware isso foi um choque para vocês?

Mauricio: Sim. Houve a concordata logo depois.

Titan Game Studios: Sobre o game Show do Milhão, sempre que falo desse jogo com meus amigos, todos se lembram das ótimas vozes que esse game tinha. Foi muito difícil inserir elas no game? Digo isso pois outros games famosos que usavam vozes não conseguiram atingir o mesmo nível que o Show do Milhão.

Mauricio: Usamos toda as tecnologias desenvolvidas no jogo Duke Nuken. Portanto não foi difícil .

Titan Game Studios: Mais tarde veio o Zeebo, na sua opinião por que o Zeebo não deu certo? E qual foi o seu envolvimento com ele?

Mauricio: O Zeebo não deu certo porque era caro e tinha um hW fraco para o que se propunha. Os tamanhos dos jogos transmitidos pelo 3g também era um problema. Mas o conceito de não ter mídia física e não permitir a pirataria foi o que matou o produto. Desenvolvi vários drives básicos, acelerômetro e os ports do Quake.

Titan Game Studios: Neste ano a TecToy esta celebrando 30 anos com um novo Mega Drive e o relançamento do Turma da Mônica na Terra dos Monstros. Além disso o game Duke Nuken 3D do Mega Drive está sendo vendido lá fora pela empresa Piko. Como você se sente vendo seus projetos da década de 90 tendo um impacto tão grande até hoje?

Mauricio: Muito orgulho por ter feito a diferença nesta vida.

Titan Game Studios: Mauricio qual conselho você daria para alguém que esta começando a programar hoje?

Mauricio: Siga seu coração e tenha amor por seu trabalho. Seja um entusiasta e encare o impossível como um desafio possível de ser superado.

Titan Game Studios: Gostaria de deixar alguma mensagem para os fãs?

Mauricio: Somente muito obrigado.

Licença Creative Commons
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8 thoughts on “Entrevista com Mauricio Guerta, o programador que foi o coração da TecToy!

  1. Ótima entrevista.

    O cara não sabe, mas ele é praticamente um personagem de quadrinhos, que existe na vida real.

    Qtos games traduzidos, como PS1, 2 e 3, Carmen Sandiego e até mesmo Riven do Saturn, que joguei e ficava brisando, imaginando quem eram os gênios pra trás de tudo, que realizaram os sonhos de muitos gamers, que era jogar games famosos em nosso idioma.

    Muito obrigado Mauricio e Titan.

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